Professores Heróis – a arte de educar em comunidades

educação infantil nas escolas públicas

Certo dia vi uma postagem em uma rede social que dizia o seguinte:

Que os professores públicos não trabalham, que não fazem o mesmo que os das escolas particulares, que o ensino é péssimo, que a instituição é falida e por aí vai.

Eu, como professora da rede pública de ensino, diretora de uma unidade escolar com mais de 400 alunos, e que atua dentro de uma comunidade, onde existem conflitos constantes, composta de crianças carentes, várias delas sem alimentação adequada, em um núcleo familiar desestruturado, com a saúde mental comprometida entre tantas outras complicações, posso dizer, com certeza absoluta: Temos os melhores professores! Afinal, como conseguir alfabetizar, inserir esta criança em uma sociedade superexigente, tendo como público alvo este perfil?

             Fácil letrar aqueles que tem uma saúde física e mental privilegiada.

A arte de educar em Comunidades

Imagina estar dando aula e, de repente, começar um tiroteio, praticamente dentro da escola cheia? Crianças rezando, suas mãozinhas juntas de joelhos no chão, lágrimas escorrendo em seus rostos desesperados, agarradas na nossa cintura.

E, acreditem, muitas preocupadas com seus pais, imaginando se são parte da ação em andamento. Então, correm agachadas para um lugar que seja ao menos mais seguro, como se estar seguro fosse tudo que importasse. Neste mesmo momento percebemos que a vida é a única coisa que importa.

Se sabemos ler e escrever, se podemos fazer contas de dividir ou somar, se fazemos textos com parágrafo ou se utilizamos gêneros textuais adequados, nada disso importa.

A vida, a integridade, a saúde mental e a estrutura psicológica, ficam extremamente comprometidas.

Professores, funcionários, alunos e responsáveis, todos naquele momento, abalados. E assim, terminamos o dia com mães e responsáveis vindo pegar seus filhos, enfrentando os perigos para buscar os pequenos, e, é lógico, acreditando que em seus braços estariam mais protegidos.

O dia seguinte ao perigo real

E como iniciar o dia seguinte depois disso, como ensinar? Professores preocupados, “Será que podemos entrar na comunidade?” “Vai abrir?” “Está tudo bem?” Como se “tudo bem” fosse possível!

Neste momento ninguém se sente seguro. Uma professora então se afasta por questões emocionais com uma semana de atestado “neste momento não existe possibilidade nenhuma de estar aí” diz ela.

E, lógico, todos os outros professores também estão com muito medo. Medo pela vida, pela integridade. E eu pensando, “preciso estar forte, criar uma fortaleza, se eu desmoronar, todos caem”. Acredito que, como gestora, tenho de dar forças, ouvir e ouvir. Estar presente, literalmente. Amparar, confortar.

E então mais um dia começa, e a escola é aberta. Logo iniciamos como se nada tivesse acontecido. Comunidade praticamente normal, pessoas caminhando, caminhão recolhendo o lixo e comércio local funcionando normalmente. E na minha cabeça só vem essa pergunta “como assim?”, até quando vamos suportar isso? E os professores?  E as crianças?  

A necessidade humana de desabafar

Eles, alunos e pais, muitas vezes só querem  fazer uma catarse, e pensamos: “também precisamos disso”. Precisam descrever seus temores, relatar suas experiências, mostrar suas indignações, e nós, professores, precisamos estar “bem” para ajudar emocionalmente. Assim, iniciamos o dia parando pra ouvir seus relatos, muitas vezes emocionados, pois perderam um parente, outros no hospital e por aí vai.

Durante alguns minutos do dia, que tiramos para ouvir as histórias, é que conseguimos entender o porquê de tudo! Estes alunos são pequenos heróis, vencedores, guerreiros! Acredito que existam adultos que não suportariam as dores e angústias deles.

E amam, amam muito as professoras e a escola, fazendo dela o seu segundo lar, muitos até o primeiro! Seus olhos nos trazem esperança! Como não amar, como não lutar por eles? Impossível!

          Nos vemos pequenos diante deles. E eles veem em nós a esperança, o refúgio, o espaço no universo. Somos muito importantes pra eles e eles, pra mim, são tudo!

Estas crianças precisam de nós, e aqueles profissionais que entendem isso não conseguem largar, não desistem, também são heróis. É um amor estranho, que domina, que preenche. Então, lutamos!

Professores heróis, o amor e a missão

Utilizamos estratégias, fazemos diagnoses, corremos atrás dos prejuízos causados pela dor, pela indiferença, pelas circunstâncias. Pegamos aqueles que aprenderam pouco e, se for possível, damos aulas particulares.

Enfim, criamos meios e fins para levantá-los, nem que pra isso tenhamos que colocá-los no colo, mas eles precisam vencer! Não podemos perder nenhum aluno! Não vamos perder! Este é o nosso foco.

E então percebemos que estar neste lugar, mesmo correndo riscos, o medo e a insegurança são indiferentes. Eles precisam de nós. É como uma responsabilidade extrema, uma necessidade maior, não conseguimos largar.  

Minha preocupação é saber que de alguma forma farei a diferença (na vida dos alunos). Preciso fazer. Preciso ajudar! Seus olhos são minha maior motivação. Suas palavras, seus amores incondicionais, meu combustível.

 E neste momento penso no futuro, como será ele? Será que estarei aposentada e emocionalmente bem? Acredito que tenha de fazer análise. Ou utilizar meu tempo em viagens, spas, passeios, viver a vida.

               Não somos os piores professores. Fazemos o melhor dentro dos piores momentos. Criamos sonhos. Trazemos esperança.

Espero olhar pra trás e ver que tudo que fiz, valeu a pena.

Então, perceber que aprender as matérias faz parte, mas aprender a “viver” com dignidade é o maior legado que deixaremos pra eles. Assim, torcer para que eu mesma não saia dessa precisando de amparo. E então, finalmente entender que fiz a diferença! E nunca deixar de acreditar que a “educação” transforma vidas!

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Cristina Oliveira Carneiro, psicopedagoga, professora de letras literatura e diretora de uma unidade pública de ensino no Rio de Janeiro.

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