No fundo do poço pode haver um trampolim …

No fundo do poço pode haver um trampolim ...

Quando a Andréa me convidou para escrever no blog da friendsBee sobre meu colapso emocional, eu fiquei um pouco reticente… não porque apresento alguma dificuldade em abordar o tema, mas porque sempre o abordei de forma oral e informal… aqui está sendo a primeira vez que o farei de forma escrita.

É um assunto tão denso, profundo, com repercussões que ainda venho digerindo desde então… eu me sinto tentando colocar uma baleia em uma lata de sardinha.

Contudo, aceitei o desafio e agora vou encará-lo: tentarei escrever de forma mais narrativa, tentando evitar eventuais juízos de valores. Gosto muito do que li de Immanuel Kant, no seu livro “Crítica da Razão Pura”. Ele nos remete à ideia de que não temos acesso à realidade objetiva (a qual ele cunhou o termo “coisa em si”), mas sim aos “fenômenos”, que são as experiências da mente originadas a partir da realidade objetiva. Assim, reconheço que o que ocorreu comigo vem sofrendo inúmeras transformações ao longo do tempo.

Eu estava na altura dos meus 40 e poucos anos, executivo de uma empresa se internacionalizando e tinha essa expansão internacional como uma das minhas responsabilidades. Trabalhava em uma startup com menos de uma década de existência, mas com grandes conquistas: mais de 300 colaboradores, com serviços lançados com as marcas de todas as Telcos brasileiras, algumas cadeias varejistas e outras Telcos pela Argentina, Chile e México. Os fundadores eram (e são até hoje), além de grandes amigos, pessoas inspiradoras, as quais admiro muito pela visão de mundo e capacidade produtiva.

Algo não encaixa…

Poderia me considerar uma pessoa bem-sucedida, com muitos amigos, uma vida social bem agitada, mas sentia que havia alguma coisa que não se encaixava. Entretanto, por mais que olhasse em volta, só conseguia enxergar motivos para me sentir grato. No entanto, tinha uma dificuldade imensa de acordar às segundas-feiras. Por incontáveis vezes, eu entrava no meu quarto na sexta-feira à noite e só saía dele na segunda ou na terça, com muita força de vontade.

Aos poucos, fui organizando a minha vida para trabalhar mais de casa, aproveitando-me do bom relacionamento que conquistara na empresa. Comecei utilizando esse artifício durante as manhãs de segunda-feira, que logo passaram para o dia todo. Algumas semanas eu me atrevia a abusar dessa confiança e acabava ficando em casa também na terça-feira.

Até que, em uma determinada sexta-feira, entrei no meu quarto, desliguei meu celular e não consegui me reconectar ao mundo por mais de 2 semanas. Esse isolamento só foi interrompido pela minha irmã, que saiu de Ribeirão Preto e viajou até o meu apartamento de São Paulo, ameaçando arrombar a porta se eu não atendesse. Nesse período de isolamento, eu fiz todas as elucubrações que me pareceram possíveis e “mais adequadas” para finalizar minha jornada na dimensão terrena.

A importância da família

Minha irmã me resgatou em São Paulo e me levou para Ribeirão Preto, diretamente para o consultório de um psiquiatra que já aguardava minha chegada para encaixe na agenda. Foi uma consulta rápida, com poucas perguntas, que resultou na prescrição de um antidepressivo e um atestado para apresentação na empresa que trabalhava (esse último, a meu pedido). O atestado foi bem objetivo e lacônico: eu me lembro apenas que recomendava o meu afastamento por 45 dias, devido entre outras razões à apresentação de “tendências suicidas”. Eu me encontrava tão devastado à ocasião, que nem me importei muito em compartilhar esse tipo de atestado com o RH e meus gestores na empresa.

Estávamos em agosto de 2016 e a empresa me manteve em seu quadro de funcionários até dezembro daquele ano, quando, por minha própria iniciativa, achei por bem pedir meu afastamento definitivo por entender que aquela vida que eu vivia não caberia mais no meu futuro. A decisão me pareceu correta em termos éticos, mas a falta de perspectiva do que faria da vida dali em diante me jogou novamente para dentro do meu quarto (desta vez, em Ribeirão Preto).

A importância dos amigos

Ao final de janeiro de 2017, recebi a visita de dois amigos de infância. Eles me fizeram tomar um banho e me levaram para dar uma caminhada no parque. Durante a conversa, um deles me perguntou se eu aceitaria conversar com o psicanalista dele. Eu me dispus a encontrá-lo, mas adiantei que sem renda, não poderia me comprometer com qualquer tratamento. Ele só me disse: “um passo de cada vez. Primeiro, vamos ver se você gosta dele e ele de você.”

Marcamos a consulta, fui conhecê-lo e conversamos por quase duas horas. A conversa foi excelente, mas, com a falta de visibilidade de como poderia dar continuidade ao processo, não me permiti muita empolgação. Passaram-se algumas semanas e recebi a visita deste amigo novamente, que me deu a notícia mais emocionante da minha vida até então: ele havia juntado 15 amigos em comum que se cotizaram para me dar de presente 1 ano de psicanálise.

O trampolim

A partir dali iniciei uma profunda caminhada ao autoconhecimento, o qual penso ser uma base sólida onde eu posso construir melhores métodos para lidar com meus diversos sentimentos, de forma a privilegiar a gratificante sensação de “estar de bem com a vida”.

Este texto sintetiza uma longa noite escura: o primeiro contato com meu mundo interno. Esse episódio, por mais duro que foi vivenciá-lo, colocou-me de forma despida, permeável a novos vértices e aprendizados profundamente significativos. É muito comum criarmos personagens para nós mesmos e acreditarmos que somos esses personagens, distanciando-nos de nossas essências, até que não seja mais possível identificar quem somos, ou melhor ainda, quem podemos ser. No meu caso, por exemplo,

noto que minhas memórias anteriores ao colapso emocional são muito turvas … como um sonho esfumaçado … é como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa … um espectro de mim mesmo …

Posso afirmar que nutro profunda gratidão por esse episódio. Não consigo me imaginar em uma posição melhor do que estou hoje, se não tivesse vivenciado tudo isso. Foi necessário para desconstruir vários dos meus dogmas e abrir espaço para uma caminhada mais frutífera e construtiva de vida.

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André é sócio fundador de uma produtora de cinema, uma empresa de consultoria e trabalha como executivo de uma grande empresa de tecnologia.

Acima de tudo, um entusiasta do autoconhecimento enquanto jornada reveladora para nortear melhor as nossas escolhas, decisões e renúncias do dia a dia.

>> Gostou? continue a sua reflexão com o artigo “Quantas vidas você tem”, da fundadora da friendsBee, Andréa Destri

>>> Agradecimento pela imagem: Benjamin Sow ✨

Quantas vidas você tem?

Quantas vidas você tem?

Te convido a fazer comigo esta reflexão: Quantas vidas você tem? Estranhou a pergunta?
As palavras têm força. Elas representam energia e intenção. Se você tem mais de 30 anos deve ter notado que várias cantigas infantis mudaram suas letras… justamente porque as palavras têm força. E não se trata de ser politicamente correto, mas de se expressar com a intenção correta, ou seja, dizer o que você quer dizer.

 E aí, lembrou de alguma música?
Que tal o “atirei o pau no gato, mas o gato não morreu”. Cruzes, que horror! Você repreenderia seu filho se o visse maltratando os animais, mas crescemos cantando isso.
As palavras têm força!


E o bolo nêga maluca?
Por mais folclórico que sejam e não retratem um preconceito ou psicopatia de quem canta ou pede a sobremesa, as expressões normalizam as ações.

Vamos agora para o mundo corporativo.
Você usa a expressão “vida pessoal e vida profissional?”
Huuum… pensando?

Então, quantas vidas você tem?

Comecei a trabalhar nos anos 90 em RH, que, a propósito, tinha acabado de ganhar este moderno nome. Uma transição do DP ou Departamento Pessoal. Eu trabalhava numa indústria onde batalhei para implantar o conceito de treinamento para aumento de produtividade, uma revolucionária ideia de que as pessoas deveriam entender a razão das regras para segui-las. Bem, consegui!  Montei a área de RH. Durante anos coexistimos na empresa, DP e RH. Contando isso hoje soa estranho, não?

Bem, nesta mesma época o conceito de gestão moderna trazia expressões como “vestir a camisa” e, a adaptação que mostrava ainda mais comprometimento, “suar a camisa”.
Uma outra expressão que surgiu naquela época e eu orgulhosamente defendia era: “entrou na empresa, sua vida pessoal fica do lado de fora”. Olha, ainda bem que prefiro ser uma metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo… salve Raul.

As expressões acima, que forjaram as crenças da geração X, induzem a colocar o trabalho em 1o lugar, tanto acima da família, como da saúde, do lazer. Verdade! Férias? Quantas vezes o “vender os dias” demonstrava comprometimento? E sobre o horário de trabalho? Ser o 1o a chegar e o último a sair. Se você virasse a noite então era a estrela, a referência.
E assim, fomos reforçando o conceito de vida pessoal e vida profissional.

Mas, volto a perguntar: Quantas vidas você tem?

Bem, eu só tenho uma.

Vida Integral

Uma vida única, requer coerência. Não é possível, por exemplo, se dizer uma pessoa ética e continuar trabalhando para uma empresa corrupta. Ou ser vegano e trabalhar no comércio de animais. Assim como não é possível trabalhar em uma empresa que defenda a diversidade e inclusão, mas em uma discussão, a pessoa usar argumentos preconceituosos.

Recentemente assistimos à três casos onde as empresas tomaram a decisão de demitir em função de comportamento fora do ambiente corporativo, mas que feriam os Valores corporativos.

O primeiro foi o de uma executiva que mantinha uma idosa em sua residência em situação análoga à escravidão. O segundo caso foi em julho 2020 onde a profissional ofendeu com a intenção de humilhar um fiscal da Prefeitura do Rio de Janeiro que fazia seu trabalho com muita educação, orientando sobre a não aglomeração nos bares cariocas. E o terceiro, em abril deste ano, quando a empresa demite um funcionário por comentários racistas no blog de um ex integrante do BBB21.

Coerência! 

Ficou claro não é mesmo?  A vida é única, integral, indivisível.

Uma vez que temos uma única vida, onde todos os nossos papeis sociais devem coexistir em harmonia em benefício da nossa saúde integral, que tal pararmos de dividir a Vida?

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Andréa é idealizadora da friendsBee, startup criada com o Propósito de “Construir um mundo mais feliz” e, para tal, atua com Saúde Emocional como forma de prevenção à doenças físicas e transtornos mentais.

> Casos citados:

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/26/avon-afasta-executiva-que-mantinha-idosa-em-situacao-analoga-a-escravidao.htm

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/07/06/empresa-demite-funcionaria.htm

https://extra.globo.com/economia/empresa-de-alimentos-demite-funcionario-por-comentario-racista-em-rede-social-contra-joao-do-bbb-21-rv1-1-24960861.html

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>>> Imagem: Chris Lawton ✨