Minha história com a síndrome de Burnout

explosão de burnout

Fui convidada a conversar com o Comissão de Pessoas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), compartilhando a minha história com a síndrome de Burnout, um pouco do que venho estudando nos últimos quatro anos e os relatos que ouço nos encontros do grupo de apoio “Burnoutados Anônimos”.

Participaram da conversa os membros das Comissões de Pessoas, de Saúde e de Sustentabilidade do IBGC, Andrea DestriArmando ToledoCarla SauerFlavia Issa CevascoLidia Leila da Silva e Vanessa Pina:

Neste artigo, eu trago alguns insights que surgiram durante e depois do encontro, que foi de altíssimo valor tanto pra mim como para os membros do comitê presentes.

O valor de uma história

Preciso confessar que ainda estou me acostumando com o interesse que as pessoas têm na minha história com a burnout. Publiquei um livro (Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout) justamente com esse objetivo. Dou entrevistas e palestras falando disso e observo que os relatos das pessoas geram imenso interesse nas minhas redes sociais, mas ainda me surpreende quando me perguntam, “tá, mas como foi pra você?”, ou, “o que as pessoas te contam?”

No encontro com o comitê do IBGC foi o mesmo: eu trouxe referências e estudos dos mais diversos (todos eles mencionados ao final deste artigo), o que certamente valida a minha fala, mas existe uma reação emocional, visível, comovente que só uma história gera.

Especialmente quando falamos das organizações, a gente tende a impessoalizar e a acreditar que os dados valem mais do que qualquer coisa – mas no fim das contas, é sempre sobre pessoas, e as pessoas se movem, mesmo, é com histórias.

Como as “Burnout shops” viraram o normal do mundo corporativo

burnout shopsFonte: 2021 Global Workplace Burnout Study

Quando relatei a minha experiência com dois burnouts – o primeiro sendo diretora de atendimento de uma empresa gaúcha, e o segundo sendo gestora de projetos em uma empresa na Holanda, mencionei um conceito apresentado em uma palestra da pesquisadora Christina Maslach, a maior referência viva em burnout no mundo.

A dra. Maslach, que estuda burnout há mais de 30 anos, vive na California (EUA) e testemunhou de perto, o boom das startups de tecnologia no Vale do Silício. 

Ela conta do surgimento das burnout shops: um tipo de operação quase de guerra para fundar uma startup, trabalhar em um ritmo insano por alguns anos e depois vender a empresa por alguns milhões de dólares e, quem sabe, conquistar uma aposentadoria antecipada. Os empresários colocavam anúncios deixando claro que a operação era uma burnout shop, como dizendo: você vai trabalhar sem parar por um período, mas ao final de uns 2 ou 3 anos, você vai sair com uma grana no bolso.

As burnout shops proliferaram no Vale – mas o que passou a acontecer foi que as startups eram compradas e o ritmo de trabalho não diminuía. Pouco a pouco, o ritmo insano que era pra ter data de validade passou a ser o normal.

Esse normal rompeu as fronteiras do Vale do Silício, chegando no Brasil, por exemplo, através de fusões e aquisições de empresas brasileiras com multinacionais norte-americanas.

O resultado está aí: um terço da força de trabalho brasileira já sofria com sintomas de burnout antes da pandemia (ISMA-BR).

O trauma que nos expele das Organizações

Ao falar da minha experiência com a síndrome de burnout e suas consequências na minha vida pessoal e profissional (desemprego, depressão, estresse pós-traumático, vulnerabilidade financeira, ansiedade generalizada e crises de pânico, pra mencionar algumas), eu comento um aspecto marcante na minha história e na de tantos outros “burnoutados“: o trauma.

Burnout e trauma se entrecruzam, no sentido de que, muitas vezes, uma experiência traumática pode ser um dos muitos gatilhos para um episódio de esgotamento e, ao mesmo tempo, o próprio burnout é uma vivência traumática por si só.

Uma das características do trauma é o seu poder de sacudir completamente a nossa percepção de mundo – como enxergamos a nós mesmos e ao que nos cerca.

Comentei que, durante boa parte dos últimos seis anos, eu mal podia cogitar pisar em uma empresa novamente. Que muitas pessoas que passam por isso criam aversão a empresas, aversão a indústrias inteiras, aversão ao tal “mundo corporativo”. Eu mesma, nos meus primeiros escritos em 2018, me descrevia como alguém que havia abandonado a corrida do mundo corporativo.

Os abusos e as injustiças foram tantos que eu realmente não achei que jamais pudesse voltar a sequer dialogar com uma entidade que consistisse de equipes, escritórios, diretores e planejamentos estratégicos. O meu próprio negócio ainda sofre com isso: tenho dificuldade em cobrar por serviços, já neguei oportunidades por puro medo.

Hoje eu me reaproximo desse mundo e vejo que eu e ele estamos um pouco diferentes – eu, certamente, bem mais. Me vejo, ainda que raramente, em reuniões, e observo que estou muito mais de acordo com meus próprios termos e entregando algo no qual enxergo valor. E vejo que é fundamental que as nossas vozes sejam ouvidas nesses espaços, honrando também quem não tem forças para fazer o mesmo.

Bem-estar não é a resposta

O bem-estar organizacional é uma indústria de US$ 8 bilhões e, no entanto, um Estudo de Harvard de 2019  descobriu que os programas de bem-estar não tem impacto na saúde geral dos funcionários.

Workplace Burnout Study, 2021

Uma das respostas mais frequentes que observamos ao aumento dos casos de afastamento por questões de saúde mental em geral, em especial o burnout, é a disseminação das práticas de autocuidado. Meditação, atividade física, vale-terapia e ferramentas de gestão do tempo, entre tantas outras iniciativas, vem ganhando cada vez mais espaço – e investimento. 

Apesar de o autocuidado ser, sim, um pilar importante da prevenção e da reabilitação da síndrome de burnout, ele não pode, de forma alguma, ser o único. Isso porque o autocuidado está na dimensão do indivíduo – e o burnout é um problema do sistema (como já veremos).

A solução precisa ser sistêmica

Essa frase da Vanessa Pina, conselheira organizacional que foi meu primeiro contato no IBGC e me abriu as portas do Instituto, é verdadeira e encontra comprovação na literatura sobre burnout. Em um estudo de 2016, a Mayo Clinic consolidou as áreas estratégicas da relação com o trabalho com os atores que impactam a saúde de seus profissionais. São os atores:

bem-estar não é a soluçãoAdaptado de: Longitudinal Study Evaluating the Association Between Physician Burnout and Changes in Professional Work Effort. Mayo Clinic, 2016

Os esforços para enfrentar esse desafio devem primeiro reconhecer que o burnout é, em grande parte, um problema do sistema. Esforços sinceros para aliviar o problema devem abordar os fatores de burnout, incluindo cargas de trabalho excessivas, ineficiências no ambiente, perda de flexibilidade e controle sobre o trabalho, barreiras à integração saudável entre vida profissional e pessoal e a erosão do significado no trabalho. Fatores individuais, da unidade de trabalho, da organização e nacionais também contribuem para cada uma dessas dimensões. Vários estudos importantes forneceram insights a esse respeito.

Assim como o burnout não é um problema individual, ele tampouco é “apenas” uma questão de cansaço físico ou mental. Em seu livro de 2000, a pesquisadora Christina Maslach listou seis áreas estratégicas para a relação com o trabalho, sendo elas:

  • recompensa
  • justiça
  • comunidade
  • sentido
  • autonomia e
  • carga de trabalho. 

As áreas estratégicas que predizem engajamento ou burnout

Em anos de estudos nos EUA e no mundo, a dra Maslach encontrou uma correlação entre essas áreas e o engajamento ou esgotamento da equipe. Ainda, ela comprovou que é possível prever, de acordo com o nível de compatibilidade dessas áreas com cada colaborador, em cada área da organização, se a equipe está engajada ou em risco de burnout.

Combinando a pesquisa da professora Maslach com as inferências iniciais do psicanalista Herbert Freudenberger, que desenvolveu o conceito clínico de burnout nos anos 70, com as minhas duas experiências de esgotamento e os relatos do grupo de apoio, eu ouso propor a inclusão de duas áreas igualmente estratégicas ao composto: identidade e descanso & desconexão.

Adaptado de: Banishing Burnout: Six Strategies for Improving Your Relationship with Work Christina Maslach e Michael P. Leiter, 2005

O modelo funciona da seguinte forma => quanto maior a compatibilidade entre o que o ambiente de trabalho oferece e o que seus colaboradores priorizam como importante, mais engajada estará a equipe. Por outro lado, quanto maior a incompatibilidade, maiores as chances de afastamentos por estresse e burnout.

Cada área estratégica tem seus sub-itens, e aqui você encontra um questionário de autoavaliação da relação com o trabalho partindo desses itens. Partindo deste framework, o papel da gestão direta e indireta se torna identificar quais os pontos de maior incompatibilidade entre as práticas atuais e as demandas das equipes e endereçá-las de forma estratégica.

Um exemplo dado pela própria dra. Maslach: uma equipe de uma das organizações consultadas por ela apresentou uma pontuação altíssima de incompatibilidade no quesito recompensa. Ao investigar este ponto, entendeu-se que a organização oferecia uma premiação que parecia ser uma excelente ideia para reconhecer talentos. No entanto, as equipes não tinham clareza das regras da premiação e tudo parecia uma grande politicagem. A iniciativa foi substituída por outras estratégias de recompensa, mais transparentes e compatíveis com as expectativas das equipes, e após um ano o score de recompensa melhorou sensivelmente.

No fim, uma palavra resume tudo: Segurança

Obviamente, há muito, muito a se falar sobre burnout. E é justamente a sua natureza multifacetada, multifatorial e interdisciplinar que mais me causa fascínio. 

Existem fatores individuais, psíquicos, fisiológicos, organizacionais, culturais, econômicos, políticos, judiciais e sociais em jogo quando falamos da síndrome de Burnout. Ela é um espelho da nossa sociedade, das nossas relações interpessoais, da forma como nos relacionamos com o trabalho, das nossas prioridades individuais e coletivas e da nossa bússola ética.

Um ponto que eu deixei de mencionar durante o encontro do IBGC, mas que sinto que não pode faltar nesta discussão, é a ideia de segurança.  

Se a síndrome de Burnout é causada pelo estresse crônico, e o estresse, por sua vez, é causado por sensações de ameaça, o cultivo da segurança talvez seja o antídoto mais simples e efetivo contra a Burnout.

Quando nos sentimos seguros em um emprego, sem medo de sermos demitidos, sem medo de sermos julgados, sem medo de sermos nós mesmos, nós conseguimos acessar um nível muito mais completo da nossa cognição. Quando nos sentimos seguros, somos mais criativos, somos mais organizados, somos mais lógicos.

Um dos meus muitos trabalhos internos dos últimos sete anos vem sendo cultivar um senso interno de segurança. As práticas de autocuidado ajudam nisso, pois estimulam a área do nosso sistema nervoso responsável por nos acalmar, e que age em contraposição à área responsável por nos colocar em alerta – e em estresse. Quando meditamos, quando estamos em meio à natureza, nos sentimos tranquilos e isso faz bem pra saúde. 

Existe um desafio inevitável de cultivar um senso de segurança dentro das organizações. Entender que já superamos o modelo de gestão pelo comando e controle e estamos, sim, nos movendo na direção de lideranças mais compassivas. A ex-executiva e atual consultora de Desenvolvimento Humano Ligia Costa publicou um livro sobre o tema, chamado Líder humano gera resultados: Como ser um líder que transcende o eu e faz a equipe e a empresa crescerem.

O tema segurança psicológica vem sendo cada vez mais trazido nos ambientes de trabalho, o que é algo que pode contribuir sensivelmente para o bem-estar das pessoas nas organizações. 

Acredito que estamos aprendendo, individual e coletivamente, que não precisamos mais fazer de conta de que temos todas as respostas. Algo muito mais legal surge quando podemos ser nós mesmos, com nossas potências e limitações. E eu espero que seja só uma questão de tempo até que os índices de esgotamento sejam drasticamente reduzidos e, especialmente, que quem passa por isso seja devidamente amparado, devidamente acolhido e devidamente recompensado por toda a riqueza que já gerou para seu empregador.

Concluindo

A síndrome de Burnout é um tema complexo: receitas de bolo e simplificações não contribuem para o debate. É preciso superarmos a dicotomia presente entre a individualização e o que muitos chamam de “vitimização”: burnout não é um problema apenas do indivíduo, tampouco 100% da responsabilidade recai sobre as organizações. A síndrome é um fenômeno sistêmico e que demanda ações nos planos individuais, coletivos, sociais e judiciais.

Quem adoece tem pela frente um trabalho interno inevitável, de reconhecer seus limites, de identificar gatilhos e ressignificar sua relação com o trabalho e consigo mesmo. As Organizações tem a responsabilidade de prevenir os riscos psíquicos e físicos e de amparar da melhor forma possível quem está em risco ou já colapsou, fazendo, também, seu trabalho interno de rever sua cultura e suas práticas de gestão.

Lembre-se: pessoas não adoecem em ambientes saudáveis.

O amparo precisa ser emocional e financeiro: a vulnerabilidade financeira de quem passa por um burnout e é demitido logo em seguida ou tem seus direitos negados é um problema sério, que só atrapalha a recuperação e coloca, muitas vezes a vidas pessoas em risco.

Foi terapêutico estar diante daquele comitê . Eu, que passei mais de cinco anos completamente descrente das organizações e do mundo corporativo como um todo. O que vi nesse encontro foi que, sim, existem práticas abusivas, e que, sim, estamos diante de um claro limite dos nossos sistemas econômicos, sociais e da forma como enxergamos o trabalho. Mesmo com isso tudo, existem pessoas em que vale a pena acreditar

Pessoas que estão dispostas a fazer diferente, dispostas a fazer valer suas vozes, dispostas a aprender e a ensinar. Indivíduos que sabem da importância do cuidado nas Organizações, tanto por sua própria ética como por entendimento de que ambientes psicologicamente seguros apresentam uma vantagem competitiva e que o lucro não pode mais ser a única medida de sucesso.

E é por essas pessoas e para essas pessoas que eu me dedico, e me coloco à disposição para colaborar e para ajudar a construir um futuro do trabalho mais saudável, mais justo e mais ético.

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Carol Milters é escritora e investigadora da Saúde Mental no Trabalho | Síndrome de Burnout & Workaholismo. Idealizadora da 1ª Semana Mundial de Conscientização da Burnout e do grupo de apoio online Burnoutados Anônimos.

Autora do livro “Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout”

>> Recomendação: Saiba mais sobre essas áreas estratégicas na Aula aberta: Como a geração Burnout vai reinventar a relação com o trabalho

>> Artigo Depoimento: No fundo do poço pode haver um trampolim

>> Complemente seu conhecimento: Uma Travessia pelo Desenvolvimento Emocional

* Este artigo foi publicado originalmente AQUI, onde há muitas recomendações de conteúdo sobre o tema Burnout.

Agradecimento pela imagem: Gerd Altmann✨

No fundo do poço pode haver um trampolim …

No fundo do poço pode haver um trampolim ...

Quando a Andréa me convidou para escrever no blog da friendsBee sobre meu colapso emocional, eu fiquei um pouco reticente… não porque apresento alguma dificuldade em abordar o tema, mas porque sempre o abordei de forma oral e informal… aqui está sendo a primeira vez que o farei de forma escrita.

É um assunto tão denso, profundo, com repercussões que ainda venho digerindo desde então… eu me sinto tentando colocar uma baleia em uma lata de sardinha.

Contudo, aceitei o desafio e agora vou encará-lo: tentarei escrever de forma mais narrativa, tentando evitar eventuais juízos de valores. Gosto muito do que li de Immanuel Kant, no seu livro “Crítica da Razão Pura”. Ele nos remete à ideia de que não temos acesso à realidade objetiva (a qual ele cunhou o termo “coisa em si”), mas sim aos “fenômenos”, que são as experiências da mente originadas a partir da realidade objetiva. Assim, reconheço que o que ocorreu comigo vem sofrendo inúmeras transformações ao longo do tempo.

Eu estava na altura dos meus 40 e poucos anos, executivo de uma empresa se internacionalizando e tinha essa expansão internacional como uma das minhas responsabilidades. Trabalhava em uma startup com menos de uma década de existência, mas com grandes conquistas: mais de 300 colaboradores, com serviços lançados com as marcas de todas as Telcos brasileiras, algumas cadeias varejistas e outras Telcos pela Argentina, Chile e México. Os fundadores eram (e são até hoje), além de grandes amigos, pessoas inspiradoras, as quais admiro muito pela visão de mundo e capacidade produtiva.

Algo não encaixa…

Poderia me considerar uma pessoa bem-sucedida, com muitos amigos, uma vida social bem agitada, mas sentia que havia alguma coisa que não se encaixava. Entretanto, por mais que olhasse em volta, só conseguia enxergar motivos para me sentir grato. No entanto, tinha uma dificuldade imensa de acordar às segundas-feiras. Por incontáveis vezes, eu entrava no meu quarto na sexta-feira à noite e só saía dele na segunda ou na terça, com muita força de vontade.

Aos poucos, fui organizando a minha vida para trabalhar mais de casa, aproveitando-me do bom relacionamento que conquistara na empresa. Comecei utilizando esse artifício durante as manhãs de segunda-feira, que logo passaram para o dia todo. Algumas semanas eu me atrevia a abusar dessa confiança e acabava ficando em casa também na terça-feira.

Até que, em uma determinada sexta-feira, entrei no meu quarto, desliguei meu celular e não consegui me reconectar ao mundo por mais de 2 semanas. Esse isolamento só foi interrompido pela minha irmã, que saiu de Ribeirão Preto e viajou até o meu apartamento de São Paulo, ameaçando arrombar a porta se eu não atendesse. Nesse período de isolamento, eu fiz todas as elucubrações que me pareceram possíveis e “mais adequadas” para finalizar minha jornada na dimensão terrena.

A importância da família

Minha irmã me resgatou em São Paulo e me levou para Ribeirão Preto, diretamente para o consultório de um psiquiatra que já aguardava minha chegada para encaixe na agenda. Foi uma consulta rápida, com poucas perguntas, que resultou na prescrição de um antidepressivo e um atestado para apresentação na empresa que trabalhava (esse último, a meu pedido). O atestado foi bem objetivo e lacônico: eu me lembro apenas que recomendava o meu afastamento por 45 dias, devido entre outras razões à apresentação de “tendências suicidas”. Eu me encontrava tão devastado à ocasião, que nem me importei muito em compartilhar esse tipo de atestado com o RH e meus gestores na empresa.

Estávamos em agosto de 2016 e a empresa me manteve em seu quadro de funcionários até dezembro daquele ano, quando, por minha própria iniciativa, achei por bem pedir meu afastamento definitivo por entender que aquela vida que eu vivia não caberia mais no meu futuro. A decisão me pareceu correta em termos éticos, mas a falta de perspectiva do que faria da vida dali em diante me jogou novamente para dentro do meu quarto (desta vez, em Ribeirão Preto).

A importância dos amigos

Ao final de janeiro de 2017, recebi a visita de dois amigos de infância. Eles me fizeram tomar um banho e me levaram para dar uma caminhada no parque. Durante a conversa, um deles me perguntou se eu aceitaria conversar com o psicanalista dele. Eu me dispus a encontrá-lo, mas adiantei que sem renda, não poderia me comprometer com qualquer tratamento. Ele só me disse: “um passo de cada vez. Primeiro, vamos ver se você gosta dele e ele de você.”

Marcamos a consulta, fui conhecê-lo e conversamos por quase duas horas. A conversa foi excelente, mas, com a falta de visibilidade de como poderia dar continuidade ao processo, não me permiti muita empolgação. Passaram-se algumas semanas e recebi a visita deste amigo novamente, que me deu a notícia mais emocionante da minha vida até então: ele havia juntado 15 amigos em comum que se cotizaram para me dar de presente 1 ano de psicanálise.

O trampolim

A partir dali iniciei uma profunda caminhada ao autoconhecimento, o qual penso ser uma base sólida onde eu posso construir melhores métodos para lidar com meus diversos sentimentos, de forma a privilegiar a gratificante sensação de “estar de bem com a vida”.

Este texto sintetiza uma longa noite escura: o primeiro contato com meu mundo interno. Esse episódio, por mais duro que foi vivenciá-lo, colocou-me de forma despida, permeável a novos vértices e aprendizados profundamente significativos. É muito comum criarmos personagens para nós mesmos e acreditarmos que somos esses personagens, distanciando-nos de nossas essências, até que não seja mais possível identificar quem somos, ou melhor ainda, quem podemos ser. No meu caso, por exemplo,

noto que minhas memórias anteriores ao colapso emocional são muito turvas … como um sonho esfumaçado … é como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa … um espectro de mim mesmo …

Posso afirmar que nutro profunda gratidão por esse episódio. Não consigo me imaginar em uma posição melhor do que estou hoje, se não tivesse vivenciado tudo isso. Foi necessário para desconstruir vários dos meus dogmas e abrir espaço para uma caminhada mais frutífera e construtiva de vida.

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André é sócio fundador de uma produtora de cinema, uma empresa de consultoria e trabalha como executivo de uma grande empresa de tecnologia.

Acima de tudo, um entusiasta do autoconhecimento enquanto jornada reveladora para nortear melhor as nossas escolhas, decisões e renúncias do dia a dia.

>> Gostou? continue a sua reflexão com o artigo “Quantas vidas você tem”, da fundadora da friendsBee, Andréa Destri

>>> Agradecimento pela imagem: Benjamin Sow ✨

Por que nos esquecemos que somos gente?

a vida nos cobra o mesmo ritmo alucinado da correria desenfreada

Todos temos pensado um pouco mais sobre a vida nestes novos tempos.

A vida, apesar de ter sido como que “congelada” durante este ano, parece que nos cobra o mesmo ritmo alucinado da correria desenfreada dos anos anteriores.

Ganhamos mais tempo?

Teoricamente devíamos, sim, ter ganhado, pelo menos, algumas poucas horas do dia. Aqueles preciosos minutos do deslocamento para ir e vir ao trabalho, à escola, à academia, poderiam ter sido economizados e investidos em nós mesmos.

Mas fizemos isso?

Não… nós nos afogamos em meio às novas rotina impostas, sufocamos nossos sentimentos e desejos e seguimos levados pela corredeira interna de águas turvas e turbulentas.

A correria desenfreada do dia a dia continuou existente dentro de nós e, talvez agora, potencializada pelas angústias e medos que nos cercam.

Então, por que esquecemos que somos gente?

O surgimento de um vírus imprevisível que escancara o quanto somos vulneráveis e codependentes parece não ter sido suficiente para repensarmos sobre nossas fragilidades, nossa finitude.

Sim, somos gente, somos seres humanos, mortais, somos matéria, precisamos de limites, mas nos esquecemos disso. E nos deixamos levar pela corredeira da sociedade que nos coloca como super seres humanos, indestrutíveis, imortais, soberanos na Natureza, superiores a tudo e a todos.

Minha experiência – pé quebrado

Nestes dias, me lembrei  de uma ocasião em que fraturei o pé em uma viagem a trabalho e, como tinha um compromisso em uma outra cidade no dia seguinte, não tinha tempo de voltar pra casa e ainda ir ao médico antes de seguir para o novo compromisso que havia assumido.

O pé doía muito, estava bem inchado, mas não importava. Claro que, neste momento, eu nem sabia que estava efetivamente quebrado, mas a dor e o inchaço, que sinalizavam que algo estava bem errado, foram simplesmente ignorados.

Então, lá fui eu com o pé fraturado para o outro compromisso (interior, interior, interior do Estado de São Paulo) e somente no 3º dia após o ocorrido, procurei por ajuda médica. Claro que isso me custou uma semana sem poder colocar o pé no chão, dado o agravamento do quadro.

E, detalhe, quebrei o pé, simplesmente levantando de uma cadeira em um restaurante, pois não havia percebido (na loucura que me encontrava) que minha perna tinha adormecido, enquanto estava sentada almoçando.

Alimentamos um mundo frenético, caótico e neurótico, porque este mundo está dentro de nós.

No entanto, essa essência não é a nossa, aliás, essa “normalidade” fabricada é insustentável.

Nossa essência é espírito, é energia, é carne, é osso, é frágil e perecível, é mortal. Não somos máquinas, não somos invencíveis, mas nos orgulhamos, quando nos comportamos como tal.

Fato é que, quando não prestamos atenção em nós mesmos e nos esquecemos de quem somos, essa conta chega e chega bem alta. Nossa mente, nosso corpo adoecem.

Minha experiência – estrangulamento das veias cerebrais

Outra lembrança que me vem à tona, foi um quadro de transtorno mental que tive por dias, causado por um estrangulamento das veias cerebrais, provocado por estresse excessivo do trabalho. A conta chegou. Não prestei atenção ao meu corpo, aos sinais de alerta, continuei me comportando como máquina.

E tenho visto alguns números preocupantes nos últimos anos: o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de pessoas que sofrem com a depressão, perdendo apenas dos Estados Unidos, e é o país com a maior prevalência de ansiedade do mundo, segundo pesquisa da OMS, realizada recentemente.

Em 2017, por exemplo, transtornos psíquicos afastaram mais de 178 mil pessoas do trabalho. Ou seja, mais de 100 mil pessoas em comparação ao ano anterior de 2016.

Em 2019, já se contabilizava 20 milhões de brasileiros sofrendo de burnout, 18 milhões de ansiosos e 12 milhões com depressão. Imaginem estes números no contexto da pandemia…

Dois grandes especialistas alertam:

“Doenças do tempo, que te tiram do tempo presente”, frase sábia da psiquiatra Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva que também traz a máxima que a “ansiedade é o excesso de futuro, a depressão excesso de passado e o estresse, excesso de presente”.

Como diz a Dra. Ana Beatriz, estamos no século das doenças do tempo, das doenças do pensamento que afetam, e muito, nossas emoções e, consequentemente, nossos corpos físicos.

É nítida a insatisfação da humanidade, mas parece que a corredeira de águas turvas afoga a consciência humana.

É preciso ter coragem para provocarmos as mudanças que são necessárias, para conseguirmos nos agarrar ao bote de resgate e ressignificarmos nossas jornadas. E esse resgate passa por um mergulho no autoconhecimento e autocuidado. Precisamos olhar para nós mesmos e não mais fugir de nós mesmos.

Segundo o neurologista Dr. Fabiano Moullin, “sem compreendermos nosso corpo, sem compreendermos nossos limites, não temos como buscar o equilíbrio”.

Sustentabilidade Humana

Fala-se muito hoje em Sustentabilidade no universo empresarial, mas pouco se fala em Sustentabilidade Humana, que passa justamente pelo despertar da consciência de quem somos, do que precisamos e do que queremos para nos sentir mais plenos e felizes.

PODEMOS mudar, porque esta mudança está em nós mesmos, no despertar da consciência de que a sustentabilidade humana passa por reconhecermos nossos limites, lermos os sinais dos nossos corpos e termos a coragem para dizer alguns “nãos”, para traçarmos outra rota que dê mais sentido a nossas vidas. E isso começa por uma preciosa jornada de autoconhecimento.

O tempo da Natureza não mudou. A questão é:  o que fazemos com o nosso tempo? Muita atenção à sua intenção!! Pense a respeito e tenha a coragem para mergulhar pra dentro de você mesmo e transformar as águas escuras e turvas em águas cristalinas, que te possibilitem enxergar o seu verdadeiro EU.

>>> Conheça mais sobre o trabalho da Andréa Regina em:

Website: https://asregina01.wixsite.com/arconsultoria

Insta: @areginaconsultoria

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Autoconhecimento: Nossa História – perspectiva de passado, presente e futuro • friendsBee

Qualidade de Vida ou Vida Qualificada

Recentemente eu ouvi o psicanalista Jorge Forbes falar sobre a diferença entre “qualidade de vida” e “vida qualificada”.  Isso me levou não só a refletir sobre a importância desse assunto, como também fui ao seu extremo, associando o conceito de Burnout – distúrbio caracterizado pelo esgotamento físico e mental das pessoas – e como tudo isso impacta na nossa saúde e nas nossas relações em casa e no trabalho.

Segundo o psicanalista, na maioria das vezes, ter qualidade de vida significa ter um padrão, o que não deixa de ser um rótulo estabelecido pela sociedade – por exemplo: acordar às 5 da manhã, fazer meditação, correr 10 kms, ser vegano, ter uma casa na praia etc. Ter uma vida qualificada, por outro lado, significa se autoconhecer, qualificar o que realmente é importante em sua vida e identificar o porquê isso lhe faz bem: beber um vinho à noite, rezar, ler um livro etc.

Evidentemente, o que de fato importa é ter uma vida integrada e que faça sentido. Isto significa balancear e alternar as atividades – entre criação, rotina, físico, família, trabalho; de tal forma que tudo esteja alinhado com as necessidades, os princípios e os valores individuais.

No outro extremo, entretanto (e principalmente por causa da pandemia), os casos de Burnout vêm aumentando. Para quem não sabe, a doença foi recentemente incluída na classificação internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS) e significa esgotamento; o que implica dizer que a pessoa não tem mais energia emocional ou física para realizar o trabalho. 

O mais curioso é que as razões pelas quais o Burnout acontece contrapõem o conceito de vida qualificada, ou seja, a doença acontece quando a atividade não faz mais sentido para a pessoa , o seu trabalho fere seus princípios e valores e não existe um balanceamento para o seu exercício, e sim uma sobrecarga muito elevada.

Na verdade, é preciso conhecer e entender o que nos faz bem como indivíduos e qualificar isso de acordo com nossas necessidades e interesses. Somos únicos e não precisamos seguir um padrão exclusivo, mas sim encontrar a exclusividade para a sua vida. Essas diferenças enriquecem e encantam o nosso dia a dia.

Vale lembrar que tudo isso melhora o bem-estar, reduz o Burnout e pode aumentar vários indicadores no trabalho, como satisfação, engajamento e produtividade.

Sigo por aqui me esforçando em “qualificar a vida”.

Desejo que cada um saiba também qualificar a sua, de acordo com seus princípios e valores, e obter os melhores resultados em todas as suas relações.

Conheça mais sobre a autora em https://www.linkedin.com/in/manuelabrandaoborges